Arcano I
O Mago
O Arcano Um é associado geralmente à força de Vontade, à autodeterminação, saber traçar e seguir o próprio caminho. Segundo Eakins, ele “é a mágica da força universal viajando através do veículo do corpo físico”. Significa dirigir o fluxo da energia criativa através de uma ação centrada. Assim, ele recebe a força e cria a realidade, pois ele é o representante do Poder Criador na Terra. Estes conceitos são muito poderosos e parecem simples. Mas, como se comportaria no dia a dia o verdadeiro mago do Tarô? Como resolveria seus problemas? Que sentiria? Ele ou ela seria tão calmo e seguro como o personagem da carta? Acompanhemos a Samara, uma grande Iniciada, que vai nos mostrar que uma grande maga pode parecer uma mulher comum. Será que existem alguma maga a sua volta e você ainda não percebeu?
Parte 1
Cansada, Samara finalmente pegou a mala e se dirigiu à sala de desembarque do aeroporto. Oito horas de atraso. Já passava da meia noite quando saiu, pisando firme sobre seus saltos de agulha. O pessoal da empresa estava esperando por ela. Um deles pegou a mala (grande diferença, tinha rodinhas!) enquanto o outro informava as novidades a Samara. A reunião do dia seguinte, que seria às oito da manhã, tinha sido transferida para as duas da tarde. Samara respirou aliviada, o último que queria era chegar cansada em uma reunião com o Secretário de Saúde. Ao parecer, as mentalizações feitas durante o voo tinham funcionado.
Quando chegou ao hotel passava da uma da manhã. Os funcionários da empresa se despediram e ficou combinado que passariam a buscá-la ás nove da manhã. Subiu ao seu quarto, tirou a roupa e foi direto para o chuveiro. Depois de dez horas de voo, era o mínimo que podia fazer. Vinte minutos embaixo da água a relaxaram o suficiente. Antes de ir dormir pegou uma pequena lâmpada a pilha e a deixou acesa sobre o criado mudo. Já que não podia acender nenhum tipo de fogo no quarto do hotel, tinha que substituir a tradicional vela pela pequena luminária a pilha. Bruxa moderna é outra coisa...
Acordou cedo, tomou outro banho, desceu para o café da manhã. Quando o motorista da empresa chegou, já estava revisando os e-mails. Foi até a sede da empresa. Queria ter todos os detalhes para a negociação da tarde. A reunião aconteceu antes do esperado: o Secretário de saúde chegou meia hora antes. Um velho truque que Samara conhecia bem. Ela já tinha previsto essa possibilidade. Deixou o homem esperando apenas dois minutos e depois entrou na sala.
O Secretário de Saúde tinha se preparado para uma negociação difícil, para as pressões daquela enorme multinacional... mas nada o tinha preparado para a beleza de Samara. Quando ela entrou na sala, o Secretário ficou imobilizado. Aquela mulher brasileira não andava: deslizava. Parecia uma gata caminhando. Seus movimentos eram fluidos, sua voz magnética. O “tailleur” ajustado mostrava um corpo perfeito, mas sem vulgaridade. O cabelo preto, encaracolado, chegava quase na cintura, dando um toque selvagem que contrastava com a elegância das roupas de grife que usava. A presença como um todo era irresistível e sem que os presentes percebessem, grande parte do arsenal mágico da Samara estava em funcionamento. Assim, a reunião transcorreu de forma agradável, os objetivos foram atingidos e, em meio a sorrisos e apertos de mãos, Samara conseguiu as licenças que sua empresa queria. No final da reunião o Secretário não resistiu e a convidou para jantar aquela noite. Samara agradeceu com um brilhante sorriso e disse que o convite era um privilégio enooorme, mas que iiiinnnfelizmeeente tinha que voltar imediatamente para o Brasil, mas quem sabe... da próxima vez... Apertou firmemente a mão do Secretário de Saúde e saiu, deslizando, deixando um coro de suspiros detrás dela.
A vida de Samara deslizava, realmente, como um rio fluido em volta dela. A poderosa Vontade da maga controlava suas reações e a realidade que a rodeava. Samara parecia (segundo as palavras de um grande Mestre da Tradição) “um arco sempre tenso, pronto para soltar a flecha”. Ou como dizia Crowley, ela “calculava bem a Fórmula do Caminho”. Entretanto...
Na viagem de volta, deitada na confortável poltrona da primeira classe, Samara não estava tranquila. Algo queimava no seu estômago. Algo não estava bem. Algo que ainda não podia identificar. Há várias semanas, Samara sentia que alguma coisa estava escapando da percepção dela, mas não conseguia saber o que era. Talvez fosse hora de fazer uma revisão da situação. No final das contas, tinha dez horas de vôo até chegar ao Brasil...
Seu trabalho era ótimo. Era diretora de uma multinacional na área de saúde. Já tinha quase cinco anos no emprego e tudo funcionava bem. Não existiam diferenças nem com os colegas nem com o presidente da empresa. O trabalho era pesado, mas Samara dava conta dele tranquilamente. E ainda tinha tempo para ajudar as pessoas através de doações e projetos de desenvolvimento de jovens. O trabalho ideal! A família? Tudo em ordem. Amor? Equilibrado. Depois do seu divórcio, Samara não tinha casado novamente. Sempre tinha algum “rolo”, mas nunca tinha escolhido uma pessoa permanente. Em parte porque era muito difícil seguir o ritmo de vida dela, em parte porque não tinha aparecido a pessoa adequada... Não acertava ver o que estava mal. Se era que algo estava mal... Fechou os olhos e dormiu o resto da viagem.
A chegada foi rotineira: o motorista da empresa estava aguardando. Levou Samara à casa dela, num condomínio de luxo de Alphaville e disse que passaria no dia seguinte para levá-la à empresa. Samara pode descansar, finalmente. Foi direto para a banheira de hidromassagem. “A vida é uma banheira de hidro” pensou, enquanto se submergia na água quente. “Che-ga de preocupações, pelo menos por esta noite...”. Ouviu o celular, o tom que indicava a chegada de mensagens. Ignorou totalmente. Saiu da banheira meia hora depois e foi para o quarto. Revisou o celular e achou duas mensagens, uma do Leandro e outra da Brigitte. Quando podiam se encontrar? “Lindos... os dois...” pensou com ternura. “Quando tenho uma hora... duas horas?” a vida estava muito agitada. Porém tinha que criar um tempo para eles. A presença dela era muito importante na vida deles. Mandou uma mensagem para cada um, avisando que tinha chegado e que ligaria para marcar um encontro. E algo continuava a deixá-la inquieta. Acendeu um incenso e foi dormir.
A chegada na empresa foi normal. A agitação corriqueira, o trabalho acumulado (por que trabalho acumulado? Ela não estava a trabalho nessa viagem?), as reuniões... Marta, sua secretária, chegou à sua sala de repente.
“David quer ver você, assim que possível”.
“Agora?” Samara estranhou o pedido.
“Assim que possível” repetiu Marta, e foi embora. Samara suspirou, enquanto ordenava uma pilha de relatórios que estavam na sua escrivaninha. “Todo mundo está estressado nesta empresa” pensou. Levantou, foi no lavabo e retocou a maquiagem. “Você não vai à sala do presidente da empresa sem conferir a maquiagem antes” costumava dizer às gerentes. Com os homens não tinha esse problema. Saiu da sua sala com passo elástico e, atravessando o corredor, chegou à sala do David. Luciana, a secretária da presidência, sorriu para ela e fez um sinal de que podia passar. Entrou sem bater. David e ela eram amigos há muito tempo e não era a primeira vez que trabalhavam juntos.
Ele estava em pé, olhando pelas enormes janelas do escritório. Sorriu para ela, mas parecia preocupado. Isso era raro, pois David, um homem com quase 70 anos, preocupava-se com pouca coisa. Antigo herói de guerra, contava-se que uma vez, sendo capitão, tinha resgatado sua unidade, que tinha sido aprisionada pelos inimigos. Outra pessoa teria fugido feliz por ter salvado a vida, e teria abandonado seus homens para trás. David não. Voltou armado com uma pistola e um rifle, atirando feito louco e conseguiu liberar os soldados. Nessa operação levou cinco tiros nas costas e dois no peito. Para quando seus soldados conseguiram tirá-lo da fortificação inimiga, numa poça de sangue, parecia que David ia morrer, sem sombra de dúvida. Naturalmente, não morreu. Nem nessa noite nem nos anos seguintes. Galgou os degraus do mundo empresarial com a mesma velocidade e garra com que liberou seus homens do inimigo. Era famoso porque não deixava ninguém para trás. Tinha muitos amigos... e muitos inimigos também.
“Estou indo embora” a frase foi direta, como sempre era. Nem comprimentos, nem perguntas sobre a viagem. Direto ao ponto. Samara sentiu que o chão falhava sob seus pés. Sentou-se numa das enormes poltronas, enfrente da escrivaninha. David sentou do outro lado, na famosa Cadeira do Presidente. Seguia calmo e olhou Samara fixamente até ela conseguir responder.
“Que aconteceu?”
“A crise. A empresa finalmente foi vendida para um conglomerado suíço”.
Não adiantava argumentar, nem fazer comentários sobre a situação. David não perdia tempo com essas coisas. Ele preferia resolver as situações, não se perguntar o porquê das coisas.
“O que é que você vai fazer?” quis saber Samara. Da resposta dele dependia muita coisa... como sempre.
“Vou para Copenhague, como diretor geral de uma linha de produção de quimioterápicos. Não é tão prestigioso como este cargo, mas é um trabalho tranquilo e com muitas mais regalias...” finalmente David sorriu.
“Quando?” quis saber Samara.
“Começo na semana que vem”. Samara sentiu um aperto no peito. Menos de uma semana para resolver tudo!
David olhou para ela e disse:
“A pergunta é: você vem comigo?”
Pronto! A tranquilidade da Samara acabou! Na próxima postagem veremos como uma maga enfrenta esta situação... Espero vocês! Um abraço