O Mago
Parte 2: Conclusão
(Veja a Parte 1 na postagem anterior)
Pela primeira vez em mais de vinte anos, acompanhar seu mentor não era a principal opção. Mas, que opções estavam disponíveis?
“Quanto tempo tenho para te responder?” ela quis saber.
“Máximo, 48 horas. Não tem problema se você vier comigo, mas se tenho que te enviar para alguma filial ou para outra empresa, tem que ser logo. Estou perdendo poder rapidamente, Samara”.
“Entendi”, disse ela, incorporando-se. “Mais alguma coisa?”
“Só gostaria de saber se você tem tempo para jantar comigo amanhã. Tenho muitas coisas para te contar”.
“Claro que sim, David” sorriu Samara. E saiu do escritório dele.
A situação era desesperada, mas simples de entender. Com a saída de David não poderia continuar na empresa. Não estava pronta para achar outro emprego imediatamente. E não queria ficar desempregada. Não podia gerar uma onda encantada de sucesso, não tinha tempo suficiente. Depois de tantos “não” ficava difícil ver saídas positivas. Tinha que fazer um ritual. E esse ritual deveria ser executado logo!
Mas antes tinha que falar com Leandro e com Brigitte...
Por volta da meia noite a limusine do David parou enfrente da casa de Samara e ela desceu após se despedir do seu chefe. Entrou na casa, pegou uma bolsa e foi para a garagem. Quinze minutos depois estava dirigindo direto para um local bem afastado, onde pudesse levar a cabo o ritual. Anos de prática lhe permitiam conhecer lugares discretos e seguros. Uma hora de estrada e chegou. Saiu da rodovia, entrou num caminho de terra e pegou uma saída à direita dez minutos depois. Agora estava no meio de um bosque, perto de uma represa. Desligou as luzes e desceu do carro. Foi até o porta-malas e retirou os implementos necessários para o ritual. Vestiu a túnica cinza por cima do macacão e a ajustou. Prendeu o cabelo com grampos resistentes (como era difícil ser uma bruxa elegante!). Colocou o capuz e, graças a Deus, o cabelo não deu problemas! Agora começava a ação!
Entrou no bosque carregando uma bolsa com os pertences. Parou num espaço aberto entre as árvores e começou a preparar o ritual. Colocou o caldeirão, o pantáculo e a varinha mágica no chão, mas segurou a adaga com ela. Acendeu o fogo e então, usando a adaga, traçou o círculo mágico em volta dela. Sentiu como os elementais se agitavam ao seu redor. Seu poder como maga já era gigantesco, mas essa noite ele estava enormemente incrementado pelas energias dos seus discípulos.
O vento começou assoprar, enquanto Samara, ajoelhada, pronunciava as antigas fórmulas que invocavam os elementos. Palavra a palavra, gesto a gesto, a maga foi chamando seus guias e auxiliares. O vento aumentou, mas Samara o ignorou e continuou com as invocações. O vento agora era insuportável e Samara ficou feliz por estar com aquela pesada túnica, senão estaria passando frio! O bosque se agitava como com vida própria em volta da maga, que continuava pronunciando as antigas fórmulas com firmeza. De repente o fogo aumentou e Samara soube que tinha entrado na seguinte fase. Fechando os olhos, pronunciou claramente uma série de nomes e depois as seguintes palavras:
“Preciso claridade de pensamento e capacidade de criação! Agora!”
O vento se agitou loucamente mais uma vez em volta dela e então o fogo pareceu estourar. Foi como se um milhão de faíscas explodissem em todas as direções, mas nenhuma delas pareceu tocar a Samara. Depois disso, o vento diminuiu e o fogo foi se apagando devagarinho. A quietude voltou lentamente ao bosque noturno.
“Solta o controle, Samara!” a voz da sua mestra ecoou pelo bosque, enchendo de alegria o coração da maga. E ela obedeceu...
A fria e mágica luz da Lua iluminou suavemente a face de Samara. Ela abriu os olhos devagar, e soube que tinha sido ouvida...
No dia seguinte comunicou o David sua decisão de ficar no Brasil.
A saída do David estava agitando tudo. Era uma loucura! Finalmente chegou o jantar de despedida, com aquele monte de abraços para o chefe que ia embora. No dia seguinte levou o David no aeroporto, para poder se despedir dele pessoalmente. Chorou feita Madalena quando ele entrou na área de embarque, mas quando chegou ao carro já estava calma e no controle novamente.
Bem, se tudo saia como esperado, as últimas jogadas do David atrasariam a chegada do novo presidente uns dois meses. Melhor contar com um mês e alguns dias. Durante esse período, ela era a presidente em funções da empresa. Agora começava o último grande ato de magia. “Espero que a Tradição seja tão forte como parece... e que o ritual funcione!” pensou Samara.
Duas semanas depois estava numa churrascaria no centro, bebendo um coquetel sem álcool e esperando. Brigitte chegou dez minutos depois. “Para ser tão nova, é bastante pontual” pensou Samara. "E está virando um mulherão...” Realmente a menina estava mudada: as roupas pareciam a ponto de explodir com tantas curvas. Quando Samara tinha entrado no restaurante, a maioria dos homens tinha virado o pescoço para segui-la. Mas agora ela via que os mesmos homens tinham ficado fascinados com a Brigitte. Talvez fosse pelo cabelo rebelde, cheio de luzes, ou pelos jeans ajustados... ou talvez o poder da Brigitte estava aumentando? Vai saber! De qualquer jeito, estava feliz de ver a mudança na garota. Deu um beijo nela e sentaram.
“Então, quando é que você começa no novo emprego” quis saber Brigitte.
“Amanhã. Hoje estou me despedindo do meu antigo mundo. Amanhã estarei em outro...” sorriu Samara.
Levantaram-se e foram para a mesa de saladas.
“Mas como foi...? Você conhecia o cara?” perguntou Brigitte, atacando os frios e o sushi.
“Não” disse Samara, enquanto pegava a maionese de legumes. “Nunca tinha visto. Parece que alguém enviou meu curriculum para ele...”
“E ele te contratou, assim... sem mais?”
Voltaram para a mesa, conversando.
“Claro que não. Ele me chamou na empresa. Tivemos um longo papo sobre preservação ambiental, reciclagem, embalagens descartáveis, etc.”
“Já queria eu que minhas entrevistas de trabalho fossem tão simples...” lamentou-se Brigitte. “Para mim são dias e dias de dinâmicas e testes...”
“Um dia você chega lá” riu a Samara. “Ah, ele me convidou para jantar”.
“Até isso?” exclamou Brigitte. “É demais! Ele é bonito?” quis saber.
“A-ha...” assentiu Samara, sorrindo. “Encantador. Fino, educado, sério e elegante... Vai ser toda uma mudança ter um chefe que nem ele, depois de vinte anos com David...”
“O Leandro vai ficar com ciúmes”
“Mmmm... só o Leandro?” Samara alçou uma sobrancelha, enquanto lutava com uma sobrecoxa de frango. Brigitte ficou vermelha e começou a rir.
“Quando começa? Vai ter que mudar de cidade? Vai se afastar da gente?” quis saber a garota, preocupada.
“Isso é o melhor: vou ficar em São Paulo. Podem ficar tranquilos, vão ter que me aturar um bom tempo ainda...” respondeu a maga.
“Acho que vou pedir um vinho” disse Brigitte, aliviada. Chamou o garçom.
“Que vinho você prefere, Samara?” quis saber.
Samara ia falar, mas se deteve e olhou para a menina. Era hora de ela começar a tomar suas próprias decisões.
“Escolha você desta vez, minha querida. Você já tem idade e grau suficiente para isso...” disse. Brigitte sorriu feliz e pediu o vinho. Um vinho excelente, na opinião de Samara.
Não sabia como seu curriculum tinha ido parar nas mãos do seu novo chefe, nem como ela tinha conseguido o emprego quase sem fazer entrevistas nem dinâmicas. Importava? As forças que fluíam através dela eram muito maiores do que ela. E Samara nunca sabia exatamente os tempos e os modos em que elas se manifestavam. Só sabia que sua mente, sempre alerta, sabia equilibrar bem os elementos da sua vida. Seu trabalho, sua espiritualidade, os meninos... todos giravam harmonicamente em volta dela. “Um pouco de tempo para cada um” pensou “e meu coração inteiro para todos... E ainda por cima, aprendi a soltar o controle... ou ao menos acho que aprendi... Mas será que eu soltei o controle... meeeessmo?” pensou a maga, divertida.
Compartilharam o vinho, falando e escutando como só as mulheres sabem fazer. A noite estava começando, e o mundo parecia entrar novamente nos eixos para Samara...
“Acho que agora posso relaxar um pouco...” pensou, enquanto tomava um gole de vinho, ouvindo o riso alegre de Brigitte...
O Mago realiza seu ato na presença do público. Ele parece estar sozinho, mas não é assim. O Mago é tão forte quanto os seus discípulos. O Mago é tão forte quanto seus mestres. Porque o Mago é parte do todo, ele é o elo que liga o passado ao futuro, o visível ao invisível, o Céu a Terra. E parado lá, sozinho, ele é só a parte visível de um Todo infinitamente maior...